quarta-feira, setembro 29, 2010

SOLOS SEM LEI

A ausência de um verdadeiro ordenamento do território em Portugal tem custos elevados para todos nós—mesmo quando disso não nos apercebemos. O solo é recurso esgotável, o seu uso pode ser factor de harmonia social e ambiental; ou pode---como tem sido infelizmente o caso—ser causa de distorções muito graves. Os problemas são vários, têm sido identificados e estudados durante décadas, sem que nada de verdadeiramente decisivo tenha sido feito: espaços urbanos alargados até ao infinito, em mancha de óleo, destruindo o mundo rural e os espaços naturais, incluindo os melhores solos agrícolas do país. Centros históricos das cidades abandonados e a cair de velhice e incúria, despovoando-se em benefício dos novos subúrbios. Especulação do preço dos solos em detrimento dos cidadãos e aumentando uma malha sinistra e letal de corrupção e compadrio. Um país desarrumado, ao sabor de interesses devoradores e inconfessáveis, capturado o «interesse público» por grupos privados pouco escrupulosos. É neste contexto de caos e de indefinição que surge a notícia: o Ministério do Ambiente diz que vai «colocar em debate público, neste mês de Setembro, uma proposta para alterar a Lei dos Solos», que tem 33 anos e, digo eu, permite todos os desvarios.
A ministra Dulce Pássaro—que vinha primando pelo silêncio em relação a praticamente todas as matérias a seu cargo-- defendeu, a necessidade de a lei “ser actualizada face às evoluções verificadas”, acrescentafdo que «o novo diploma “deverá garantir a salvaguarda das funções ambientais, ecológicas e produtivas do solo”, mas também “conter a expansão urbana e a urbanização desordenadas, e promover a reabilitação e a revitalização urbanas”
Sem anunciar, o que se estranha, que propostas concretas tem o governo para apresentar como ponto de partida do debate, a ministra lá foi revelando que «também se pretende a justa distribuição das mais-valias resultantes quer das decisões de planeamento territorial quer da realização de obras públicas” evitando “a retenção dos solos com fins especulativos”.

Perderam-se muitos anos e a inacção tornou o país mais feio, descaracterizado, mais pobre em recursos naturais e paisagem, tendo ainda de suportar o financiamento das infra-estruturas de uma expansão urbana que nada justifica, a não ser a especulação pura.
O próprio Estado acabou sendo um agente indutor de especulação em torno da «desanexação» de áreas protegidas e reserva agrícola, como se vê nos projectos PIN, que tornam possível a construção intensiva em zonas sensíveis de protecção da natureza!
As autarquias insistem no absurdo aumento das «áreas urbanizáveis», em parte porque são dependentes do dinheiro que lhes dá a construção nova.
Desde há muito que se reclama a urgência de impedir os lucros fabulosos que se produzem com a simples passagem de um terreno de «rústico» para «urbano». Um mero risco no mapa, uma estrada que se constrói, e o que pouco valia, transforma-se na «galinha dos ovos de ouro»! A solução só pode ser a tributação pesada das mais-valias criadas, como sucede em quase toda a Europa, travando a especulação…e os «negócios» suspeitos.
Resta saber se o debate público, numa matéria que afecta interesses poderosos e influentes, ajudará a elaborar uma boa Lei dos Solos. Mais vale tarde do que nunca, mas quer-me parecer que ainda vai correr muita tinta sobre este assunto…e que as rotinas instaladas e os grupos de pressão do costume farão valer a sua força. Remédio contra isso é estarmos atentos. Nesta matéria tão sensível, apenas a cidadania activa poderá fazer pender a balança para o lado do interesse público!

Bernardino Guimarães
( Crónica publicada no Jornal de Notícias em 28/9/2010




1 comentário:

  1. "Resta saber se o debate público, numa matéria que afecta interesses poderosos e influentes, ajudará a elaborar uma boa Lei "

    Infelizmente, em Portugal, não existe uma cultura de participação cívica que leve quem de direito a alterar este tipo de situações.

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